terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Em busca da harmonia familiar



"Não se pense que os especialistas são perfeitos e sabem sempre tudo à primeira. Helena Marujo, professora na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, revela como, um dia, foi surpreendida pelo filho mais novo: «Mãe, ultimamente, só me dás ordens (vai tomar banho, lava os dentes antes de ires para cama, arruma a pasta, olha os sapatos no meio da sala…) ou só me perguntas pelas notas dos testes». Antes, a psicóloga tinha-nos explicado «como é importante ouvir os filhos e aprender com os seus sinais, não ficar preso à ideia de que quem manda são os pais (apesar de esse ser um valor indiscutível), mas ter capacidade de ver a necessidade da sua própria mudança». Por isso, ao ouvir as palavras do filho mais novo, Helena Marujo parou, engoliu em seco, reviu os episódios recentes e relembrou como se «identificava com uma mãe que deseja que a relação com o filho seja, sobretudo, positiva». Estava no momento de mudar a comunicação: «O Thomas tinha toda a razão. E eu apreciei aquele acto de amor, a pedir-me mudança. A cultura da nossa relação, tanto quanto o clima da nossa família, melhorou».



«Muda de vida, estás sempre a tempo de mudar», assim diz a canção e assim diz também o pediatra Paulo Oom quando os pais se queixam do comportamento dos filhos, mesmo quando os sinais não são tão evidentes como no caso de Thomas. «Se a criança tem um comportamento inadequado repetidamente, como estar sempre a fazer birras, a dizer não, a ameaçar verbalmente ou fisicamente, é porque já percebeu que funciona e que pode manipular os pais dessa forma.» Também estas atitudes são sinais. «Está na altura de mudar alguma coisa», alerta o pediatra. Mudar como ou o quê? O ambiente que se vive em casa é o aspecto mais importante e que mais vai determinar o comportamento de uma criança, defende Paulo Oom. E um bom ambiente não é necessariamente sinónimo de galhofa constante, sem regras, nem ordens. «Os pais têm medo de exercer a autoridade, como se isso fosse provocar algum dano psicológico ou algum trauma na criança, quando é o contrário. A criança sente-se melhor sabendo que tem limites», diz o pediatra.

A respeito de autoridade, Patrícia Bandeira, educadora de infância na Cooperativa de Educação A Torre, lembra uma frase que, não sendo de sua autoria, reflecte a sua opinião: «A palavra autoridade tem má fama, especialmente no campo da educação». Mas não tem de ter, explica a educadora: «Vem do latim e, em traços gerais, significa aumentar, fazer crescer, acrescentar, fazer mais e melhor». Na educação, a autoridade serve para «fazer crescer com regras, firmeza, paciência e verdade». Quantas vezes os pais se perguntam por que razão os filhos se portam sempre bem na escola e chegam a casa e é o caos? A solução aponta novamente para o ambiente. «É natural que uma criança cansada, ao fim do dia, precise de uma atenção diferente daquela que teve na escola. Por outro lado, a escola, se tiver um ambiente adequado, torna-se um local onde, em geral as crianças se sentem bem.»

Na escola, nestas escolas onde as crianças se sentem bem, há regras, mas também há muito mimo. «A autoridade anda de braço dado com o afecto. O afecto é o que diz a verdade às crianças. Elas sabem ler, através dos afectos e, assim, conseguimos o que queremos», diz Patrícia Bandeira. O afecto está nas brincadeiras, no tempo disponível, na alegria. «A diversão é uma das melhores armas que os pais têm para educar os filhos», assegura Paulo Oom. «E divertimento e autoridade não são incompatíveis», acrescenta. Se uma criança se sente feliz, se sente que os seus pais estão felizes, têm tempo para ela, brincam com ela, vai «encarar melhor a disciplina». Helena Marujo corrobora: «Falar de disciplina é falar de tempos de alegria juntos, de cantorias, de danças, de risos e jogos, de pedidos de desculpa e de gratidão, de compreensão e meiguice…». Só aceitamos a autoridade, explica, «de quem respeitamos, não de quem temos medo, e o respeito vem da admiração e do amor ao modelo.»

ACERTAR OS RITMOS

Há situações incontornáveis que sacodem a estabilidade e alteram o ambiente. É preciso resistir a elas. Como aconteceu com o Bernardo. Aos dois anos, nasceu a irmã, precisamente na mesma altura em que os pais andavam mais ocupados (e preocupados) profissionalmente. O Bernardo, «uma criança sensível, querida e enérgica», nas palavras da mãe, Ivone Costa, tornou-se um desafiador incansável. O momento mais difícil do dia era o jantar, com os pais a terem de andar atrás dele pela casa com a colher cheia de comida. Mas qualquer situação que exigisse o mínimo de concentração e sossego era um tormento. Ao final do dia, os pais levavam-no sempre ao jardim, «para gastar as energias». Servia de pouco. Quando chegavam a casa, a rotina jantar, brincar, banho, dormir era uma luta, longe da harmonia familiar que se deseja. Na cabeça dos pais sempre esteve a palavra mudar e foram tentando até encontrar a estratégia que deu melhores resultados. Em vez de o levarem ao jardim, optaram por ir para casa mais cedo. As rotinas passaram a ser feitas com mais tempo, mais calma. O Bernardo foi sossegando. Coincidiu com o primeiro aniversário da irmã, com os pais terem ultrapassado o momento complicado da vida profissional. Continua a ser o menino «sensível, querido e cheio de energia», mas menos desobediente. Pode ter sido uma fase, mas Ivone acredita que terem encontrado os ritmos certos contribuiu para a mudança. É também por isso que na escola, quase sempre, tudo corre bem.

A escola, frisa Patrícia Bandeira, «dá resposta e está organizada e pensada para as crianças». Nada falha. Em casa, o cansaço dos pais, a pressão que sentem, a falta de ajuda nem sempre contribuem para o tal bom comportamento que se deseja numa criança. A educadora dá exemplos de erros crassos: «As crianças não devem ter o horário dos adultos; não devem comer na cozinha primeiro para ser mais rápido; não devem ver televisão enquanto os pais querem sossego em casa; não devem ser arrastadas para centros comerciais, restaurantes ou outros programas dos pais». Em suma: «Uma criança com a vida organizada é uma criança feliz».

MANTER A COERÊNCIA

A palavra preferida de Carolina, quatro anos, é “não”. «É particularmente rebelde e faz oposição regularmente», descreve a mãe, Paula Barbosa. Se é para ir comer, diz não; se é para arrumar o quarto, diz não; se é para ir vestir, diz não. Paula sente que a filha «tenta sempre esticar a corda», que «está constantemente a medir forças», a «testar». Em locais públicos, a situação agrava-se. Carolina sabe que a mãe não será tão exigente. Aliás, ela sabe perfeitamente quando se porta mal e quando se porta bem, pois pede desculpa depois de uma birra e procura a confirmação da mãe quando o dia corre sem teimas. Paula tem várias estratégias para lidar com a filha nas situações de conflito: contar até três, pô-la de castigo, ignorar as birras em locais públicos, chamar a atenção para outras coisas, e vai conseguindo que a filha lhe dê ouvidos. «Mas é uma luta constante», desabafa. «Estamos sempre a negociar».

Paulo Oom identifica precisamente aí o problema: «Uma criança que diz não a tudo já sabe que o que os pais dizem é negociável. O que a mãe manda não é para cumprir, não é visto como uma ordem, mas como uma intenção». Mudar, nestes casos, vai ser difícil, prevê o médico. «Vai haver um período de transição complicado, que ninguém vai gostar», adverte.

Porque, com as crianças, «não há voltar a dar-lhes», afirma Patrícia Bandeira: «É verdade que as crianças são todas diferentes, é verdade que eu tenho estratégias para falar com elas. Mas quando queremos, nós, adultos, temos de usar a autoridade». A palavra mete medo, de facto, como se dizia no início do texto, tal como outra: permissividade. Os pais vivem divididos entre serem muito autoritários ou muito permissivos. Será possível encontrar um meio-termo? «Claro», responde Patrícia Bandeira, sugerindo um pequeno exercício: «No que é importante para mim e não posso ser permissivo, toca a ser autoritário. Posso ser permissivo em muitas coisas, porque os meus filhos também têm a capacidade de decidir».

E tanto os «sim», como os «não», como os «talvez, vou pensar nisso» devem ser ditos «sem receios, com serenidade, segurança, clareza, voz calma, coerência e previsibilidade, temperança na gestão das próprias emoções», recomenda Helena Marujo. Coerência e justiça, sublinha, contando mais um episódio revelador: «Há um tempo, um jovem de 15 anos, perdido na vida, já fora do sistema de ensino, sem rumo, nem metas, dizia-me: ‘Os meus pais sempre me deram toda a liberdade. Sempre fiz o que quis, tive o que quis. Prometeram-me uma mota se eu passasse de ano. Eu chumbei, mas ganhei a mota na mesma. Mas vou dizer-lhe uma coisa, um dia que eu tenha filhos, não vou fazer com eles o que os meus pais fizeram comigo. Gostava que de vez em quando me tivessem dito que não…’».



in paisefilhos

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